O
INFINITO NÃO É APENAS UM PROFUNDO BURACO NEGRO QUE ABRIGA OS MISTÉRIOS, MAS
TAMBÉM O ESPAÇO ILIMITADO DE LUZ ONDE RESIDE AS POSSIBILIDADES”
INFINITO
Trata-se de um prato complicado,
pois parece nunca ficar pronto. Parece ser o mais complexo de todos, mas na
verdade é o mais simples. Por ser simples, torna-se o mais complicado para
aqueles cozinheiros que exigem terminar tudo que começam. É saboroso para os eu
degustam processo e indigesto para os esfomeados de resultados.
CUSTO
Pagam-se o preço da frustração
para aqueles que concentram a atenção apenas no produto final da receita; e o
preço da satisfação para quem concentra a atenção na execução de cada fase,
vivendo o inusitado prazer de descobrir a magia contida em cada gesto e em cada
ingrediente que, combinados, produzem transformações constantes, interessantes
e infinitas.
TIRA GOSTO
FINAL MENTE
QUANDO CHEGUEI AO FIM
FINALMENTE CONCLUÍ
QUE NADA TERMINA
TERMINANDO APENAS
A MINHA CRENÇA
NO TÉRMINO DAS COISAS.
QUANDO CHEGUEI AO FIM
ADENTREI-ME NUM NOVO COMEÇO
QUE DE COMEÇO NADA TINHA,
APENAS CONTINUIDADE,
ACENTUANDO CONTINUAMENTE
AS MINHAS INFINITAS
INDAGAÇÕES.
QUANDO CHEGUEI AO FIM,
VI O FIM AGARRADO AO COMEÇO,
O COMEÇO AGARRADO AO FIM
E, SEM SABER QUEM ERA UM E
OUTRO,
AGARREI-ME AO INFINITO
SOLTANDO-ME FINALMENTE.
QUANDO CHEGUEI AO FIM
DESCOBRI,
QUE O FINAL MENTE
RESTANDO,
CONTÍNUA MENTE,
INFINITA MENTE.
INGREDIENTES
Consciência de eternidade
MODO DE PREPARAR
Despeje
no caldeirão de sua existência, em meio o fluído da vida, uma porção de
consciência de eternidade e vá mexendo, mexendo, mexendo, continuadamente. Vá
observando as transformações que ocorrerão ao longo deste preparo e vá
saboreando, ao longo de todo o processo, o sabor de cada transformação
ocorrida. A grande magia desta porção é que durante o seu preparo ela estará
sempre pronta para ser saboreada com prazer; e à medida que seu conteúdo vai
sendo mexido, adquirindo prontidão para
ser um pouco mais aprimorada. Diante desta diversidade de sabores encontrados,
você jamais conseguirá se apegar a um só, criando uma grande disposição para
mexer e remexer incessantemente. Nesta ação constante, descobrirá que uma
receita sempre dá origem à outra, evitando que seu o paladar viva o tédio de
limitar-se apenas a um sabor.
Mexer
continuadamente evita que o caldo fluído da vida se empelote ou endureça
agarrando no fundo da panela. A sua disposição para remexer permite que novos
sabores possam ser originados a partir de um antigo. Isto aumenta a
possibilidade de tornar-se uma pessoa cada vez mais nutrida por experiências
saborosas. Prove todas elas e bom apetite!
SOBREMESA
A MATEMÁTICA DOS SENTIMENTOS
Em algum lugar, na matriz da vida,
viveu por nove meses, tempo relativamente curto, um ser formado graças à junção
de outros dois que, separados estariam fadados à morte e juntos ao crescimento.
Unidos, tornaram-se um só revertendo a exata operação matemática 1+ 1 = 2 para 1+ 1 = 1. Nesta relatividade matemática
e num movimento constante de expansão e evolução, instaurou-se neste ser a
consciência de conjunto. Ser um conjunto vazio, unitário, finito ou infinito?
Eis a questão a ser vivida e compreendida pelo novo ser em desenvolvimento
contínuo. Num primeiro momento, preferiu não pensar nisto. O ventre acolhedor onde
vivia lhe parecia perfeito. Desta forma, qual a razão para quebrar a cabeça? A
sensação de completude, a consciência de união e de expansão sempre presente,
geravam o combustível para continuar a sua jornada por uma trilha chamada Vida,
cujo princípio se baseava inicialmente num nirvana total, caracterizado por uma
operação cuja adição de prazeres multiplicava o encanto de viver. No entanto,
repentinamente, o mundo se transformou, impondo a dolorosa operação de subtração. Foi
jogado num universo novo onde experimentou pela primeira vez o sofrimento e a
dor. Sentiu-se dividido. A dor chegou lhe arrancando algo que, ilusoriamente,
pensava fazer parte de si: o mundo acolhedor que vivia.
Sendo parido, a sensação de completude
e plenitude dissipou-se. Teve um desejo enorme de resolver uma operação
irreversível voltando ao tempo; no entanto, este parecia determinado a seguir
sempre em frente. Começou a perceber, lentamente, que era parte de um mundo e
não o contrário, ou seja, que não era o mundo parte de si. O poder de sentir-se
auto-suficiente se transformou em fragilidade. A suficiência deixou de ser um
atributo seu, deveria, agora, busca-la em algum lugar deste novo mundo onde fora
jogado sem a sua vontade. Percebeu que a sua vontade não era tudo, que as
coisas aconteciam independente dela.
Perdido, cheio de dor e fragilidade,
foi caminhando por um bom tempo pela estrada chamada Vida, onde deparou na
primeira encruzilhada, com uma entidade nova e interessante. Perguntou o seu
nome e ela respondeu:
—
Eu me chamo Ilusão.
Surpreso com a beleza da mesma, empreendeu, curioso,
uma nova pergunta:
—
Você está a serviço de quem?
—
Estou a serviço de todos. Respondeu Ilusão.
—
A meu serviço também?
—
A serviço de todos que não aceitam esta estrada tortuosa chamada Vida tal qual
ela é. Esclareceu Ilusão.
—
Me explique melhor.
—
Aos seres inconformados, poderei trazer de volta tudo que ficou perdido.
Elucidou Ilusão.
Ditas estas palavras, apareceu um outro
ser em forma de luz, com um semblante confortador, que o pegou no colo e o
embalou tranquilamente. Sem saber ao certo o que estava acontecendo, perguntou
confuso:
—
E você, quem é?
Não obteve resposta alguma. Aquele ser
se limitava serenamente a embalá-lo. A sensação de conforto experimentada
naquele momento mágico lhe trouxe a lembrança do mundo perdido onde tudo
parecia ser perfeito e completo. Ilusão, querendo lhe confortar ainda mais lhe
disse:
—
O ser que te embala se chama Esperança. Ela o confortará até você se encontrar
com tudo que foi perdido e se sentir inteiro novamente.
—
Quando eu resgatar o que perdi ela me deixará? Perguntou receoso.
—
Ela não o deixará. Você é que não precisará mais dela, pois ao encontrar seu
elo perdido será novamente auto-suficiente e não sentirá mais a dor da
necessidade e do desejo. Garantiu-lhe a Ilusão.
—
Seria maravilhoso, pois é muito difícil conviver com a Necessidade e com o
Desejo. Eles estão sempre esfomeados, me solicitando coisas que nem sempre tenho para lhes oferecer. Nesta cobrança
incessante, acabei tendo que conhecer uma tal de Frustração. Não fui com a cara
dela. Sinto-me mal perto dela, mas ela parece não se mancar e permanece
presente, mesmo quando me esforço ao máximo para afastá-la.
Ilusão, rapidamente, lhe propôs uma solução para este
desconforto:
—
Se me levares sempre contigo, jamais terá que suportar a chata da Frustração.
Nós duas não combinamos. Ela jamais se aproximará de você ao perceber a minha
presença.
Diante deste convite irrecusável de não
ter mais que suportar a inconveniente Frustração, o frágil ser deu as mãos para
Ilusão e continuou a sua caminhada. Quanto mais apertava a sua mão, mais
protegido se sentia. A cada passo que dava, Ilusão lhe assegurava que na
próxima encruzilhada encontraria tudo que fôra perdido. Sem perceber, o tempo
passou rapidamente, quando inesperadamente deparou-se com um ser bem parecido
consigo. Foi um encontro emocionante. Os dois se entreolharam. Que estranha
sensação! Eram parecidos e diferentes ao mesmo tempo. Conseguiram, com
reciprocidade, ver no outro o saudoso mundo perdido e tudo aquilo que não mais
lhes pertencia parecia estar no outro. Perplexos se indagaram:
—
Você tem o que preciso. Como posso resgatar tudo que vejo em você?
Satisfeita, Ilusão sussurrou-lhes ao ouvido:
—
Prometi-lhes o resgate de tudo que foi perdido. Aqui está o elo perdido, a
parte que lhes falta. Apropriem-se dela
e estarão definitivamente completos e em condições de viverem com a plena e
eterna Felicidade. Partirei, mas deixarei com vocês a minha mais perfeita obra.
Enquanto estiverem acompanhados por ela, jamais se sentirão frágeis ou tristes.
Naquele momento foi concebida a união e
a fusão daqueles dois seres que pareciam se completar. Juntos, pareciam ser um
só todo indivisível. Iniciou-se neste momento a gestação de um conjunto
unitário e a intrigante operação matemática 1 + 1 = 1, possibilitando à Ilusão
parir, orgulhosamente, a maravilhosa obra que serviria de companhia para os
mesmos. Ficaram surpresos e alucinados com o nascimento de uma nova obra que se
exprimia através de uma onda de calor que parecia um fogo a queimar todas as
insatisfações, cuja combustão se transformava em prazer. Querendo conhecê-la
melhor, perguntaram rapidamente a sua identidade e obtiveram a seguinte
resposta:
—
Meu nome verdadeiro é Paixão, mas as pessoas gostam mesmo de me chamar de Amor.
Amor passou a ser o apelido que encarnei e chego a me esquecer de quem sou
realmente.
Aquecidos pelo calor da Paixão,
sentiam-se cada vez mais unidos e completos. Sem saber ao certo como
identificar e nomear aquele novo ser que os acolhia, perguntaram:
—
Como você gostaria de ser chamada?
—
Depende apenas de vocês. Se me chamarem de Amor se sentir-se-ão mais seguros.
Respondeu com astúcia, a Paixão.
—
Assim seja! Você é o amor que nos acompanhará para sempre. Juntos, seremos uma
fortaleza. Encontraremos a Felicidade e nada neste mundo poderá nos
entristecer. Queremos apenas viver esta plenitude. Encontramos a parte perdida,
não há nada que possa nos separar. Somos perfeitos um para o outro. Falaram,
entusiasmados, os dois seres entorpecidos pela paixão.
Viveram assim por um bom tempo,
viciados um no outro. Qualquer separação, mínima que fosse, gerava um
desconforto semelhante à síndrome de abstinência experimentada por usuários de
drogas. Diante de qualquer desconforto, tratavam de se fundirem rapidamente e a
dor desaparecia. Isto aumentava cada vez mais a dependência e a certeza de
quanto um era necessário e a parte fundamental do outro. Eles se bastavam. O
mundo ao redor já não era tão importante, pelo contrário, dependendo da
situação, chegava a atrapalhar. Não havia espaço para outros integrantes num
conjunto unitário. Foi assim que começaram a viver os seus primeiros conflitos.
Alienados um no outro a dor desaparecia. “Dizem, inclusive, que os alienados
sofrem menos, talvez por estarem fundidos numa coisa só”. Quando dirigiam a
mínima atenção ao redor, a dor voltava. Quanto maior a atenção às coisas de
fora, maior o sofrimento. Sendo assim, tornou-se necessário formar um pacto que
pudesse evitar esta dor. Combinaram:
—
Olharemos apenas um para o outro e seremos a única coisa que realmente dá
sentido à vida. Nada poderá ser mais importante ou mais interessante do que nós
mesmos. Nos bastamos!
Apesar de todos os esforços, apareceu um novo ser
extremamente sedutor , chamada Curiosidade, que passou a ser uma verdadeira
tentação. Curiosidade parecia saber pronunciar apenas uma palavra, mas de tanto
repeti-la foi criando um novo vício. Parecia uma tentação renunciar aos apelos
de Curiosidade que provocava incessantemente:
—
Olhe!
O desejo de olhar era bem maior que o
pacto firmado. Sendo assim, mesmo às escondidas, começaram a dirigir o olhar para outras coisas
que não fossem eles mesmos. Começaram a comparar o mundo estabelecido por eles
com aquele inusitado mundo novo. O sinal de igualdade se transformou em sinal
de diferença. Tinha sempre um ser diferente para desencadear dentro deles uma
desconfortável comparação. Diante da mesma, apareceu a Inferioridade que os
atormentava dizendo:
—
Ele é melhor; você vale menos!
Vivendo este drama e um desgastante complexo de
inferioridade, surgiu repentinamente um casal que parecia se dar muito bem. O
nome deles era Ciúme e Inveja. Ciúme
dizia com convicção que apenas aqueles que amavam seriam capazes de acolhê-lo
em seu coração e que seria sempre uma injustiça qualquer um deles ser feliz sem
que o outro pudesse estar por perto para compartilhar esta felicidade. Sendo
assim, estabeleceram mais um pacto, impedindo que a Felicidade pudesse visita-los
sem que o outro também estivesse presente para recebê-la. E a Inveja, parceira
do Ciúme, sempre colaborava com o mesmo, tratando de depreciar e desejar o mal
a todos aqueles que tinham tido a aparente sorte de estarem mais feliz do que
eles. Acompanhados por estes dois parceiros inseparáveis, começaram a sentir um
novo prazer na vida, que residia em contemplar a infelicidade do outro. Diante deste novo prazer, surgiu um censor
chamado Culpa, que os advertia severamente:
—
Cuidado com o inferno!
O
mundo pareceu repentinamente ter virado de cabeça para baixo. Por mais esforços que faziam não conseguiam mais
vivenciar a plenitude do passado e do tão sonhado paraíso. Acompanhados pela
Culpa, sentiam-se mal e não sabiam como afasta-la. Ela se tornava cada vez mais
forte, principalmente quando tentavam explorar terrenos proibidos pelo pacto
proposto. Seduzidos pela Curiosidade e conscientes de que estavam a todo o
momento quebrando-o começaram a pensar na possibilidade do parceiro estar
fazendo o mesmo. Numa tentativa de controlar a situação, resolveram firmar um
outro acordo, ainda mais rígido e forte:
—
De hoje em diante não seremos apenas a parte que completa o outro, tornaremos,
também, a sua mais valiosa propriedade privada.
Ter um dono e ser ao mesmo tempo dono de alguém trazia
de volta a Ilusão, que lhes dizia enfaticamente:
—
Aquilo que é nosso ninguém toma e ninguém tem direito de se apropriar!
Ilusão
era maravilhosa. Chegava sempre no momento certo, com uma solução mágica que
afastava as dores e inseguranças. Tinha sempre um discurso perfeito, sabia como
ninguém transformar pau em pedra. Estavam salvos, não perderiam mais aquela
parte perdida no passado e reencontrada com tanta dificuldade. O controle
passou a ser a maior arma que possuíam. Queriam saber de tudo que se passava na
vida do outro, não por interesse, mas por mera fiscalização. Dizer,
obsessivamente, para si mesmo — “Ele é meu e eu sou dele” — ajudava a manter o
controle da situação. No entanto, viver assim trouxe uma visita indesejável
chamada Estresse. Não há ninguém que consiga se manter relaxado tendo que
controlar o tempo todo uma situação que parece não ter controle. Inicialmente,
até suportavam bem o tal do Estresse, pois no fundo era por uma boa causa. A
maior demanda era o controle. Sem perceberem, o Estresse foi lentamente lhes minando
todas as energias e causando-lhes um novo problema. Já não sentiam tanto prazer
ao ficarem juntos. Nada parecia ter
muita graça. O encanto foi substituído pelo enfado. Tornaram-se cansados de si,
cansados do outro e da própria vida. Apesar de terem consciência desta nova
situação, não deixavam de repisar para si mesmo:
—
O Amor vai nos salvar novamente e repelir todas as nossas dores.
No entanto, o amor parecia ter lhes
abandonado. Antes tivera a capacidade de
abrandar-lhes todas as dores, incutindo
em cada um a sensação de plenitude; agora
já não fazia isto mais. Onde estaria o Amor? Antes que pudessem pensar
definitivamente que o mesmo os tivesse desamparado, Ilusão apareceu com um
discurso novo, que os confortou novamente:
—
O Amor suporta tudo, até mesmo as piores dores. Continuem vivendo as dores do
controle e se manterão unidos para sempre.
Seguiam os conselhos de Ilusão, mas chegava sempre o
momento que este discurso parecia ficar vago e impreciso. Foi num momento
destes que conheceram um novo ser chamado Dúvida. Dúvida não esclarecia nada,
apenas fazia perguntas e mais perguntas. Quase enlouqueceram diante de tantas
indagações. Eram perguntas sem respostas; respostas que geravam novas
perguntas. Perderam-se no meio de tantas divagações. Queriam soluções e não a
companhia de seres parecidos com a Dúvida, que só traziam insatisfações. Um
deles era a Incerteza que parecia um gramofone repetindo sempre:
—
Será?
Com tanto será começaram a se perguntar:
—
Será que conseguiremos viver assim para sempre?
Chegaram à conclusão que seria
insuportável levar uma vida assim. Deveriam criar soluções e novas estratégias
de combate. A vida parecia uma guerra, não poderiam ser combatidos e perder
tudo que haviam conquistado. Perder equivaleria a se tornar um conjunto vazio e
incompleto. Precisavam adicionar à vida algo novo, mas não sabiam ainda o quê.
O desejo ardente de encontrar rapidamente uma solução fez com que se deparassem
com uma tal de Ansiedade, que proferia sempre com muita pressa, uma única
palavra:
—
Rápido!
Ordenados por Ansiedade, iniciaram uma
corrida em alta velocidade pelas estradas da Vida. Nesta correria não prestavam
atenção em coisa alguma. Tudo passava como um flash e com a mais intocável
superficialidade. Aprofundar era perda de tempo. Sabiam que não podiam perder
nada, nem tampouco o precioso tempo. Queriam segurá-lo, mas o tempo não parava.
Sentindo-se incapacitados para lidar com o tempo presente, criaram, com a ajuda
de uma nova especialista chamada Preocupação, uma ocupação nova. Ocupar-se
apenas do futuro talvez enganasse a Frustração, que tentava assola-los no
presente. Fixar no pensamento e deixar de agir tornou-se a mais nobre
dedicação. De posse de bons pensamentos, conseguiam criar um futuro razoável e
a posse de pensamentos negativos gerava um futuro nocivo. Era difícil manter o
controle dos pensamentos, mas já estavam acostumados a controlar. Apesar das
dificuldades e com excessivo esforço, conseguiam aprisionar os maus pensamentos
no porão da mente. Frequentemente, tinham que enfrentar a rebelião dos mesmos,
mas já estavam se acostumando com rebeliões e guerras, pois a vida tinha se
tornado um grande combate. Sempre atentos a possíveis combates, adotaram uma
postura defensiva permanente que gerou gradativamente uma paranoia mútua. Tudo
começou a ser percebido como uma ameaça e, sem se darem conta, começaram a se
sentir ameaçados um pelo outro. Diante de tantas fantasias ameaçadoras,
iniciaram também maciços ataques contra aquele ser que era, anteriormente, o
seu mais valioso tesouro. Encontraram através desta conduta bélica um aliado,
que dizia sempre ser a mais forte arma para vencer uma guerra. Este aliado se
chamava Raiva e tinha uma força tão grande quanto o suposto Amor, que julgavam
ter conhecido um dia. Raiva enfatizava colérica:
—
Se não quiseres perder é necessário vencer o outro com uma cara bem feia,
ameaças, manipulações e punições constantes. As pessoas temem estas armas e
recuam. Briguem por tudo que desejam!
Para não perder a parte conquistada,
passaram a adotar a estratégia da Raiva.
Perceberam que era um bom mecanismo de controle. Brigar passou a ser uma
forma de comunhão. Aprenderam a comungar discórdias e desavenças. Conseguiam se
manter juntos, mas começaram a ter uma sensação de estarem cada vez mais
distantes. Viveram isto um bom tempo até que conheceram a Indiferença que, de
certa forma, trouxe um certo alívio para tantos conflitos, pressões e
controles. Indiferença falava com um ar desanimado:
—
Não se ligue nisto! A grande solução na vida é não ligar para mais nada.
Restava, agora, seguir os conselhos de
Indiferença na esperança de afastar o sofrimento. De fato deixaram de sofrer,
mas se tornaram seres completamente embotados. Não sentiam mais nada, nem
desejos e nem mesmo a tão temida e insuportável frustração. Diante deste novo
contexto, a Ilusão reapareceu, os abraçou para o resto de seus dias, emitindo
um constante murmúrio:
—
Agora vocês encontraram finalmente o paraíso. Nesta total ausência de dor, não
há mais nada o que buscar. Eis a plenitude que tanto desejaram!
O conjunto unitário se transformou
em conjunto vazio, dando fim à trágica história de duas vidas completamente diferentes
que se julgavam uma só; de dois seres inteiros, que se julgavam uma fração,
principalmente uma fração do outro.
Em algum lugar, um conselho
formado por seres muito sábios, que não tiveram lugar nesta história, mas que
tentaram avaliar esta trágica opção de
vida, comentavam entre si:
—
Por que será que eles não quiseram a minha companhia? Perguntou o Amor.
—
Em corações partidos não há espaço para você, que só cabe em corações que,
mesmo machucados e doloridos, conseguem se manter inteiros. Respondeu a
Felicidade.
—
Com isso, você também não pôde se manifestar na vida deles. O máximo que conseguiram
foi confundir a euforia com você, assim como confundiram a astuciosa paixão
comigo. Ponderou o Amor.
—
Foram tantas as guerras e os combates para preservar o que, na verdade, nunca
conquistaram, que nunca consegui me aproximar deles. Lamentou a Paz.
—
Tudo isso porque se apegaram a tudo que não deveriam se apegar nesta vida.
Continuou o Desapego.
—
A quê? Perguntaram todos numa só voz.
Sabedoria, como presidente deste conselho, concluiu:
—
Não devemos nos apegar a uma única ideia nesta vida, principalmente quando ela
nos limita. Na matemática, 1 é igual a 1 (1=1), mas na relativa matemática da
vida 1 será sempre diferente de 1. Não há nenhum ser igual ao outro. Esta mesma
exata ciência nos diz que meio mais meio é igual a um (1/2 + ½ = 1). No
entanto, a ciência inexata da Vida afirma que a união de duas metades sempre
gera duas metades, ou seja, duas meias pessoas. Pensar que poderemos concluir
alguma coisa ou nos completar é uma maneira limitada de enxergar a vida.
Estamos completamente engajados no infinito. O máximo que conseguiremos é
eternamente acrescentar algo ao nosso ser ilimitado. A parte que nos completa é
o próprio universo. Se somos parte de alguma coisa, somos parte dele. Como ele
é infinito, infinitas serão as nossas possibilidades. Acho que o maior dilema
do ser humano é, na verdade, a maior benção que recebeu.
—
Qual? Perguntaram novamente.
—
Ter sido incluído no conjunto infinito, cuja regra básica é o constante
crescimento.
Terminada a reunião, cada um seguiu o seu caminho
procurando uma alma que pudesse acolhê-los.